terça-feira, 5 de junho de 2012

Carta à uma amiga

Oh amiga querida, embora tornemos próximas a pouco tempo, ouso-lhe um íntimo pedido:
Minha adorada, acontece que nesses tempos me esqueci de respirar. Perdi-me no caminho.
Tropecei e caí ao chão.
Os farrapos que me restaram, não me sustentam mais.
Sabe aquele raio de sol, o primeiro logo no amanhecer? Não posso mais enxerga-lo. Nem a lua e a noite.
Dá chuva já não sinto cheiro e nem meu próprio corpo sou capaz de tocar.
Minha cara, os dias e as noites são iguais, o tempo deixou de existir. Não sinto fome e nem frio.
E nos sonhos ! Ora, estes só me fazem enganar: mostram-me feliz. Mostram-me aconchegada em pequenos cachos atrás da orelha adornada. Os sonhos me fazem sorrir. O cheiro volta e, com ele o sabor.
Os planos. Ah, os planos ! Neles posso viajar no infinito. Meu coração se completa e minha alma contempla a plenitude de viver.
Mas, minha estimada, estes sonhos me matam aos poucos. Me matam porque não são eternos, me matam porque são perturbados e acabam por se interromper. Eles são frágeis, efêmeros, enganosos.
E se... E se eu sonhasse pra sempre querida?
Você pode me fazer sonhar pra sempre?
Juro que não tenho medo de você.
Olha, o que eu te peço não é muito. Poxa, você já tira de letra !
Não tenhas receio, não ficarás com fama de boazinha. Eu sei guardar segredo. Todos pensarão que me pegou na surdina, em plena juventude e vigor, um caminho pela frente e todo aquele discurso que já conhecemos.
Se você puder, querida, seja rápida para ser eficaz. Sabe, a idade nos tira um pouco da coragem e de repente eu posso querer lutar contra você. 
Mas tem um jeito se isso acontecer ! Você me diz que eu vou sonhar pra sempre e vou poder me aconchegar nos pequenos cachos atras da orelha adornada, que vou ver as esmeraldas reluzentes e o rubor delicado, vou retomar os planos, sentir alegria, acreditar no mundo e que ainda há esperança! Me digas isso e me entregarei.
Ao menos pense... posso ser presa  fácil ou fingir de difícil pra te animar. Posso te bajular e inflar o ego- sou boa nisso- sei de psicologia das motivações! Posso tantas coisas, tantas coisas queiras de mim, a me dar este favor.
Agora, me despeço.
Posso ter esperanças?
No que posso ter esperanças?
Na vida?
Na morte?
Na vida morta?
Eu prefiro a morta vida... A morta vida... Amor ta vida...Amor da minha vida.

sábado, 12 de maio de 2012

Porque de nada mais me vale o meu eu.
Nada!
Prostrada. Aos pedaços.
Vislumbrando a ruína que é minha existência, chego à conclusão que sou uma fraude.
Não consigo, se quer, escrever meu próprio desespero.
Quero que essa dor passe, mas ela insiste. Insiste...
E nem a mim eu tenho mais pra me amparar.
Mas ninguém percebe que já vai ser tarde quando eu me curar.
As flores serão as únicas testemunhas.
O nó
O medo
E o amor


Me dói
Corrói
Deturba
Esmaga


A solidão
Em contramão
Me alcança
E mais, avança


És tão precioso
Que é odioso
Aos olhos
Impiedosos


O resto... é abraçar o desespero
Encontrar aconchego no deserto
Engolir meu próprio vômito
Corromper meu destino
Em choro, tão desprezado carinho!
Bateu-me a porta da rejeição
E tudo que era bonito
aos olhos invertidos
Revelaram apenas objeção

sábado, 21 de abril de 2012

21.04.2012

Em constante declínio
me curvo diante da des.graça
Meu castigo é a solidão
Maldita redenção inválida

Minha sorte é a solidão
Quando nada mais existe
                                     o todo fica mais claro
                                                             e o preço mais caro


Que desdém infantil!
Recheado de novas esperanças
Prensado em um nó gigante
Vou me debatendo em constante pavor
Manipulando meu ego
Fingindo a façanha de ser imprevisível
(Des)controlando meus passos
(De)vagar
Minha mente se enrola
Minha pele se rasga
O sangue quase se derrama

Eis que então, surge um estalo:
O relógio não pára pra ninguém!

terça-feira, 27 de março de 2012

Sobre dores e aspirinas

A travessia aguarda o passante...
Tem dias que o medo fala mais alto - tão auto,
num rosário de decepções.
O simples franzir de uma testa traz o mais puro incômodo.
De fato.
E sempre o desejo de ser rascunho, mas claro, não há tempo para isso.
Não há mais muito tempo pra quase nada.
Sentir toma muito espaço, sendo necessário - por piedade - encher-se de nada só pra variar.
Toc toc !
Não! Ninguém pode ouvir.
É tão incompreensível que quase parece humano.
Fadado ao próprio fracasso o passante quase que atravessa.
Quase.
Importunamente um ponto fraco aparece e desliga a luz. Ele acaba com qualquer chance de redenção.
Passa-se a loucura.
O sangue coagulado se acumula veloz. Isso é só um detalhe.
Gradativamente a medida se instala.
E, então, o lado oposto é alcançado.
Exausto, o passante se deita e se deixa.
E se deixa.
Se deixa.
Deixa.
Eixa.
Ixa.
Xa.
A.
.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Esvaecer-se de si num aconchegante abismo de pensamentos sórdidos
esburacados pelo acaso de sentir.
Uma queda sem fim e um coração destravado, disposto ao que foi anteriormente sempre rejeitado.
Sem cor, derretendo em entregue deleite, absorve cada momento. De nada e de tudo.
O azedume do estrago lhe toma a boca e o ardor da pele ferida mascara a falta que o peito sente.
Por um segundo, só por um segundo foi possível não pensar em nada.
A queda é uma constante, guerreia entre as crises e aspira o notório.
Impróprio.
Inevitavelmente o filme que lhe assite entende o enredo forjado.
Não há mais saída. As portas foram trancadas e o contrato, quebrado.
O grito que separa o agudo do próprio infnito, emudeceu por um certo pavor desnecessário.
Contínua.
Profunda.
Inóspito.
Conformação ao contrário.
Que salte a sorte!

domingo, 20 de novembro de 2011

Estação 44

Próxima estação: 44-  anuncia o maquinista.
José estava tão habituado com o trem que nem precisaria ouvir o sinal de desembarque. Tornou-se tudo tão automático após tantos anos no mesmo percurso. A mesma cadeira à esquerda e na janela, sempre disponível, já que é um dos primeiros a embarcar, logo no inicio da manhã.
A paisagem foi que mudou ao longo dos anos: - Antes a gente via mais mato, gente atravessando os trilhos com um bando de filhos pendurados pelo corpo.
José sabia que a paisagem havia mudado, mas não tinha se dado conta da proporção que a civilização havia tomado. O sono era muito, o cansaço pelo esforço do trabalho e pela idade já avançada, acabava por tomar seu corpo e sua mente que divagava através das estações.
- Hoje faz sol, pensou em sua máxima.
Encontrava-se sempre com Tonico, no mesmo vagão e na mesma hora. Viajavam juntos por um longo percurso, mas o caminho de Tonico era mais longo. Não sabia o quanto, sempre desceu antes do viajante magrinho, de barba por fazer e dentes roídos pelo tempo e pelo cigarro.
Nunca conversaram, não eram amigos, mas sabiam-se José e Tonico. Algum conhecido deve ter citado em bom tom ao se despedir e deixar o trem.
Desce José, mexe a cabeça em reverência ao estranho conhecido que o corresponde com um semi-mexer de lábios e um balançar de sobrancelhas. Tonico prossegue seu trajeto.
Em meio a paisagens concretas, naturais, belas e horrendas, limpas e sujas, Tonico, sentado no banco antes ocupado por José, esperava ansioso por aquela que sempre o contempla com largo sorriso e um suspiro quase incontrolável. Logo ali, na parte rebaixada de ruas de terra, em meio ao lixo, cães magrelos e água parada, havia um casebre feito de madeira e telha brasilite, cercado por um portão azul escuro de madeira já desbotada e descascada pela exposição ao sol e a chuva, portão cerrado que mal cobria os quadris daquela moça que Tonico via todos os dias. Tinha um tanque na frente da casa, onde Tereza lavava suas roupas diariamente, com aquele vestido surrado de alças caídas nos ombros, mostrando parte de seus fartos seios, cabelos escuros e presos, sempre com madeixas grudadas em seu rosto suado pelo movimento de esfregar, enxaguar e torcer. A moça o aguardava em sorriso e quando o vagão se aproximava, deixava a roupa na mão, prensada no tanque entre os dedos e mirava para avistar Vicente.
Sim, Vicente. Vicente e Tereza. Eles nunca se conheceram, mas Tonico tinha cara de Vicente e ela, cujo nome não se sabe, tinha cara de Tereza.
E assim, passam-se três estações para adentrar Maria: - Dia Tonico, D. Benedita vai bem? – Sim, obrigado! Tonico sempre responde a mesma coisa, sem tirar nem por, tem medo de que Maria comece a falar e o deixe ainda mais mal-humorado do que de costume, já que a única parte boa do percurso havia ficado para trás.
Maria era diarista e, certa vez, ajudou na casa de Tonico, pois sua mãe Benedita estava doente das pernas e mal conseguia se locomover. Acabou por morrer a coitada, vai se completar um ano, mas Maria não precisava saber, analisava Tonico.
E assim, corriqueiramente, na estação 48, Tonico descia.
Maria seguia, ia longe e por isso sempre ficava perto de Tonico - para poder ocupar seu lugar, na mesma cadeira do lado esquerdo a par com a janela. Ela precisava se sentar, pois trazia consigo uma sacola listrada, com alguns fios soltos, aparentando certo peso e necessidade de cuidado acirrado. Na sacola havia quitutes que Maria preparava para vender no comércio no centro da cidade.
Por sempre ocupar o mesmo vagão e a mesma cadeira, era procurada por Leandro, o enfermeiro. Pelo menos era o que dizia seu jaleco branco: Leandro – enfermagem, em bordado preto. Gostava dos bolos que Maria fazia, comprava um pedaço todos os dias pela manhã e procurava se apressar, já que a moça descia uma estação à frente da qual havia entrado.
E lá se ia Maria, com sua sacola cheia de quitutes e uma pochete atrelada aos quadris; Deve ser para guardar o dinheiro e facilitar o troco, deduzia Leandro que seguia em frente, ocupando a cadeira deixada pela quituteira.
 Duas estações a frente aguardava Júlia, estudante de veterinária. Chamava atenção pelo perfume de banho recente que exalava, mas foi somente quando deixou cair ao chão seus cadernos, que se abriram aos pés de Leandro, que ele soube seu nome - Julia/ Veterinária Clínica II. Este deveria ser o nome da matéria que levava o caderno rosa com cachorro branco.
Na estação 57, desce Leandro. Julia ocupava seu lugar no trem. Sempre ficava perto de Leandro por haver reconhecido no rapaz uma gentileza gratuita, quando, certa vez, este a ajudou a pegar o caderno que tinha caído. Sentia-se familiarizada ao jovem.
A última estação é onde desce Júlia.
No fim do dia, onde o sol começa a esvaecer-se, Júlia, como de costume retorna ao trem no mesmo vagão, na mesma hora, na mesma cadeira.  Ela seguia tranqüila, sabendo que logo estará em casa e que o rapaz enfermeiro logo vai subir e cumprimentá-la com um sorriso e então, vai aguardar seu desembarque para sentar-se na cadeira do lado da lateral esquerda da janela.
E assim, como previsto, o rapaz adentrou ao vagão e apoiou-se no pilar próximo a poltrona da moça. Cumprimentou e despediu-se com um sorriso. Sentou na cadeira e seguiu viagem.
Lá pelas tantas é a hora da quituteira, agora com a sacola enrolada embaixo do braço, suado e peludo, com ar de cansaço, querendo sentar-se e, por isso,  sempre aproxima-se de Leandro, com seu jaleco branco, agora sujo de alguma coisa amarela.
A essa hora da noite o levantar de uma sobrancelha já é muito, sorrisos não devem ser desperdiçados com qualquer um.
E pela ordem vem Tonico, com a camisa semi-aberta, com pelos brancos pulando para fora e um odor moderado de cigarro e suor. Ocupa sua cadeira. A quituteira é que aproveita para sentar-se na poltrona que há anos é dele, nada mais justo que ela se levante para que possa se sentar. Tem ainda o direito de lhe fazer uma careta, como quem diz: “não faz mais que obrigação”.
Na volta pra casa não há parte boa, Tereza não lava, nem enxágua e nem torce mais as roupas. Aliás, em sua casa está tudo apagado. Ela deve dormir cedo ou ter alguma ocupação noturna. Um dia, quem sabe, Tonico passa no casebre para tomar um café e levá-la para um passeio.
Quando não há mais a luz do dia a fadiga toma conta de todos passageiros, com seus corpos cansados apoiados nos pilares, nas janelas e nos ombros que estavam próximos. É hora de entrar José.
É hora de entrar José!
Mas José não entrou no trem. Deve ter ido embora mais cedo ou se atrasado - pensou Tonico, mesmo achando estranho, pois não se lembrava de uma ocasião como esta.
Tonico voltou para casa.
Na manhã seguinte ele não encontrou José na estação. Quem ocupava sua cadeira era um desconhecido. Um estranho de chapéu amassado e paletó cheirando a mofo mesmo de longe. Não olhou para Tonico, nem percebeu sua presença. Por não conseguir sentar-se naquela poltrona, o maduro rapaz com os dentes roídos pelo tempo e pelo cigarro, não pôde ver Tereza e Tereza também não pôde ver Vicente.
A quituteira de sacola abarrotada de comida não conseguiu sentar onde costumava e, Leandro não a encontrou para que comesse seu bolo. A veterinária não localizou o enfermeiro, não se sentou e ficou encafifada com a falta que sentira do rapaz.
No esvaecer do sol, na volta pra casa, a estudante, já não mais perfumada que, sentiu raiva por ter que guardar seu sorriso e, assim, preferiu mudar de vagão, para não ter que ver Leandro outra vez.
O rapaz enfermeiro não encontrou a moça veterinária na volta pra casa e sua cadeira estava ocupada por uma bagagem e um cara gordo e alto que, em pé, vigiava-a com olhos de leão.
A quituteira, por não ser acostumada a viajar em pé, desequilibrou-se no trem deixando a sacola cair de seus braços e ser pisoteada por um bando de apressados que ocuparam o vagão de uma só vez.
Tonico não teve que se esforçar para cumprimentar a senhora dos quitutes, pois não havia se encontrado com ela.
José não entrou no trem. José não entrou no trem nunca mais.