Hoje. Mais um dia.
Gostaria de chorar, mas minhas lágrimas se recusam a cair.
Poderia tocar violino, mas não tenho.
Cuspir o catarro da minha garganta já seria um grande avanço.
Tenho saudade dos tempos dos folhetins e de quando minha memória não falhava.
Nesse momento um cigarro e um café me ajudariam muito mas deixei os dois, tenho manchas no pulmão direito e desenvolvi uma gastrite nervosa.
Ao menos consegui fazer alguma coisa, uma mancha no pulmão direito e uma gastrite nervosa são duas grandes conquistas.
A primeira foi devido uma pneumonia mal curada- na época pensei que fosse sintoma de amor, exceto pela tosse, que havia associado ao fato de ficar com tênis molhado após pisar numa poça d'agua- mas sentir o corpo ferver, calafrios, falta de ar, pensava ser sintomas agudos de uma paixão.
A segunda foi porque esse amor não me amou. Me queimava o estômago e me ardia a garganta.
Os dois também tiveram a ver com o abuso de tabaco.
A moça que trabalha no posto de saúde disse que estavam montando um grupo anti-tabagismo e me convidou.
Parecia um santuário de pessoas mal acabadas. Me senti uma estranha no meio de tanta gente relatando sua história com o vício. Um rapaz, bonito até, contou que iniciou o fumo porque viu seu cachorro morrer de acidente trágico- conseguiu subir pelo portão, mas não chegou do outro lado, morreu espetado pela lança mesmo- "Era tanto sangue e gordura que escorriam que fiquei uma semana sem dormir direito". A senhora que não me recordo o nome mas a idade, 68 anos e bem vividos [sic], descobriu que seu marido de 73 tinha se descoberto gay e estava tendo um caso com um rapaz de 39, vizinho do andar de baixo do apartamento que lhe custou 40 anos de médias prestações. E Eu?
O que eu tinha pra contar?
- Bom... me chamo Juliete, tenho 55 anos, nunca perdi cachorro ou parente ou amigo. Nunca fui trocada por ninguém. Oi? Não, não, é que não tenho ninguém na vida mesmo! Moro sozinha... Não senhor, não tenho ninguém não! Nem ! Não tenho nada meu, a casa onde moro é alugada, ando de ônibus, pego cesta básica na paróquia do bairro. Nada moça! Bem... pra não falar que não tenho nada, tenho uma mancha no pulmão direito e uma gastrite nervosa.
Proxima sessão: semana que vem.
Por esses dias tive pensando em criar alguma coisa nova, uma coisa que ninguém nunca pensou. Mas minha cabeça não anda boa e não consegui ter nenhuma idéia.
Também tive vontade de tomar leite gelado com farinha de milho torrado- uma vez entrei numa venda e vi a mãe dando uma caneca com essa mistura para o filho- mas acho melhor não, vai que me ataca a gastrite.
Estou fazendo tratamento. Trato do pulmão direito, da gastrite e do vicio em cigarro.
No inverno não posso tomar banho nos dias muito frios, corro o risco de ficar resfriada e meu pulmão é fraquinho e também tenho que evitar remédios para esse tipo de doença, eles tem cafeína e me atacam a gastrite, além me darem vontade de fumar.
O padre me convidou certa vez para cuidar de acender as velas durante a missa, mas deixei cair parafina em cima da bandeja de hostia e ele me disse que era melhor tirar a poeira dos santos. Eu fazia com muito carinho, mas acabei deixando São José cair e ficar sem a cabeça, coitado. Percebi que não tinha afinidade com igreja.
Ah, não contei minha experiencia como florista. Gosto de falar essa palavra e sentir que já fui um dia: Florista! Na verdade eu não plantava e nem cuidava das plantas, eu era ajudante. Retirava os espinhos das rosas, mas florista é mais bonito! A empresa faliu e tive que sair do emprego. Aliás, foi lá que me ajudou a desenvolver a pneumonia. Entrava e saia da estufa o tempo todo para buscar as flores e as vezes carregava o caminhão com os arranjos durante a chuva.
Arrrrrrrgggh!!! Ando irritadissima. Acho que são os remédios do tratamento.
Meu cabelo está meio prata e minha sobrancelha por fazer. Tenho um resto de arroz e linguiça na geladeira, melhor esquentar e comer, não gosto de desperdiçar comida.
Não gosto de desperdiçar comida, queria tocar violino, chorar um pouco, ser ouvida no grupo anti-tabagismo, ter um cachorro pra vê-lo morrer, um marido gay, uma capela pra frequentar e uma floricultura. É, descobri. Quero tudo isso na minha vida e também sempre ter arroz e linguiça na geladeira.
Esse tratamento está acabando comigo.
Acho melhor não ir mais ao médico e nem ao grupo de apoio.
Tem chovido muito e feito frio ultimamente, não ando bem do pulmão direito e essa preocupação ainda me mantém a gastrite nervosa...
Por Pollyana Oliveira
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